Sabe quando subitamente, sem pensar, você age conforme agiria se não fosse várias razões desprovidas de qualquer sentido? Simplesmemte descomplica as coisas, ou as esquece. Faz vista grossa daquela voz que grita dentro de você que está errado, que é loucura ou desacato a si mesmo. E mesmo assim você não ouve, ao contrário, desafia todo e qualquer pensamento que te afasta dessa vontade. Os anula, e se entrega a esse momento de devaneio, ou lucidez. Arrisca. Assume os riscos, ou por mera imprudência os acolhe para si.
No meio do trânsito, aumenta o volume do som do carro, pega o telefone, busca na agenda algum vestígio desse amor. Encontra somente o número antigo da casa dele. Não pensa. Não procura na mente palavras qualquer de ensaio pra não correr o risco de encontrar aquelas razões que poderiam fazê-la desistir. O telefone chama, e o coração parece que se dá conta da importância desse momento. Do outro lado uma voz tão parecida com aquela mesma que a fez sonhar tantas vezes. Mas não era ele. Era alguém dizendo que ele não estava. Que naquele exato momento ele poderia estar vendo só de ouvir o quanto ele ainda estava presente na vida dela. Mas não, ele não estava em casa. A voz era do seu pai. Tão igual, mesmo timbre, mesmo jeito de falar. Ele queria saber com quem falava, mas a coragem que a fez telefonar não permaneceu nela muito tempo. Subitamente escapou-se. Logo ressurgiram as razões, sensos e grilos. Pensou consigo que não era justo deixar sabê-lo que ela fraquejou no seu acordo de dizer não a esse amor. Ela não disse seu nome. Também não era preciso porque ela sabia que ele saberia com a mesma certeza que houvera sido ela. Desligou o telefone, mas demorou alguns minutos para que seu coração acalmasse. Pensou consigo na ousadia que teve, e ainda cogitou retornar a ligação para perguntar aquele homem, anonimamente, se ele estava bem. Faltou coragem. Ela já tinha tomado toda a sua dose.
Ela não teve a chance de falar com ele, nem de saber nada da sua vida, mas agora segue diferente. Com uma leve sensação de que é possível simplesmente descomplicar. Desatar algumas amarras que nós mesmos laçamos em algum momento ou por alguma razão que com o tempo nem se sabe realmente quais são. Naquele dia ela poderia ter diminuido uma saudade, e ter sido mais feliz.
A verdade é que muitas vezes renunciamos ao presente em nome de um futuro que nem sabemos se vai existir mesmo. Perdemos de viver um momento, que talvez fosse um desses grandes momentos que faz a nossa vida toda valer a pena, tentando evitar frustrações ou sofrimentos que nem sabemos se vão se concretizar. Tolice. Tolice que não muito raro cometemos por puro medo, ou desatenção mesmo. Mecanicamente dizemos não aquilo que nos parece uma ameaça, como uma dessas manias que temos, sem perceber que dizemos não também as possibilidades que a vida nos apresenta de encontrarmos justamente aquilo que procuramos.