domingo, dezembro 18, 2011

Deus em mim.

''Nem a morte, nem a vida, nem anjos, nem principados, nem coisas presentes, nem futuras, nem potestades, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura nos poderá separar do amor de Deus'
(Romanos 8, 38-39)
Eu sempre tive a certeza de não estar sozinha. Sempre havia alguém com quem eu poderia confiar meus segredos mais ocultos. Alguém que, seja qual fosse meu erro ou defeito, estaria dado a me compreender e me aceitar. Esse alguém que me serviria de escudo para as dores do mundo, os problemas do mundo. Alguém para quem pudesse pedir qualquer coisa sem achar que estava pedindo além do que ele fosse capaz de dar. Mas na verdade, não era sempre que eu enxergava Deus como o enxergo hoje. Interessante olhar pra trás e ver que a nossa fé amadurece. Você não só sente, como vê e acredita ser Ele uma força real, concreta. Deus passa a ser, além daquele nosso amiguinho imaginário com quem possamos sempre contar, uma certeza. Incrivelmente poderosa. Ele existe de verdade. E o mais forte disso tudo é que Ele nos ama. O amor de Deus é gratificante, e desconcertante, as vezes. No momento em que até você mesmo se odeia, Ele te acolhe. Quando você acha que não merece sequer um olhar de Deus, Ele te abraça. E quando você não tem forças ou acha que não tem saída, Ele envia sinais do seu amor. Te mostra as janelas. É então que a gente levanta. Enche o peito de esperança. E vai. Segue maior. Segue em dois.

quinta-feira, dezembro 15, 2011

Desisto do amor.



Tenho pra mim que desistir de algo é sinônimo de fraqueza, de incerteza, ou ausência de determinação. E ao mesmo tempo é preciso coragem pra desistir. Coragem pra aceitar seus erros, e coragem pra tentar algo novo, que te faça sentir melhor. Sempre simpatizei com a frase que diz ''não importa até onde tenha trilhado o caminho errado, volte''. O problema é pensar que os motivos que te levaram a não continuar não é propriamente a convicção de uma direção errada, mas o medo de lutar. Medo de continuar ali naquele caminho cujo destino final é tão desconhecido. O medo nos paralisa. Nos imobiliza, impedindo de ver com a razão. Acabamos nos questionando sobre a autenticidade das decisões que nos levaram até onde estamos. Seria tão mais fácil se soubessemos aonde chegariamos ao decidir. Mas a vida é mesmo assim. Não há como conhecer as consequencias das nossas escolhas seja qual for ela. O fato é que qualquer caminho que seguirmos será da mesma forma estranho, até mesmo aquele que deixamos pra trás. Não podemos parar, e seguir outro rumo, toda vez que o futuro nos amedronte. Assim não chegaremos a lugar nenhum. Assim ficaremos estagnados pra sempre.

Comecei esse post pensando em falar do amor, e da minha decisão de desistir dele. Acabei falando do medo que eu tenho de desistir do caminho que adotei pra chegar no meu destino. No fundo eu acredito que meu destino está traçado e eu apenas tenho que escolher a forma de chegar até ele, de merecê-lo. Como forma de afastar esse bixo papão da minha vida adulta - o medo - deixei-me levar pelas palavras. Mas no amor... não sei. Não sei se temos escolha a fazer, essa é a questão. Não é que eu esteja desistindo dele, é que não escolhemos amar. O amor, num sentido estrito da palavra, não é provocado. Ele surge, autonomamente. Age de ofício. Vem, e vai, sem aviso, sem permissão. Não posso lutar contra isso. Não posso me esforçar em amar alguém que aparentemente seja apto a suprir os ''requisitos''. Esses que a gente imagina que alguém deve ter pra ganhar nosso amor. Como se o nosso amor fosse comprado por atributos físicos ou extrafísicos. Virtudes, por si só, não é suficiente para o amor. Ele, o amor, as vezes surge por alguem que tem tudo pra não ser amado. As vezes, esse alguém é o avesso do seu príncipe encantado. Não importa se ele não anda em forma, se é mais baixo, se não toca violão, se curte um samba ou rock pesado. Não interessa se ele não gosta das mesmas coisas que você, ou se não sabe usar bem as palavras, porque o que importa mesmo é o que ele te faz sentir. Se ele, com todos seus defeitos malucos, provoca em você sensações que nunca sentiu antes. É aí quando o amor resolve fazer morada em você. Então, não faz sentido ficarmos procurando qualquer indício de sua chegada, porque ele só dá sinais quando já se instalou, quando já existe. Nada que fazemos, por mais que tentemos, irá antecipar sua vinda. Não adianta procurar, perder dias valiosos, pensando uma maneira de provocá-lo. Por isso eu digo: desisto do amor. Até o dia em que ele virá ao meu encontro.

terça-feira, dezembro 06, 2011

Caminhando entre caminhos.



Me sinto tão ausente de mim mesma, ultimamente. Como se eu estivesse em outro corpo qualquer que não o meu. Vivendo uma vida alheia que poderia ser a minha se não fosse tantos "e se". Meio perdida, sabe?! sem saber direito se fiz as escolhas certas, se estou no caminho que vai me levar ao que imaginei pra mim...Perdida bem ali, no meio desse caminho. 
Me sinto como uma criança que por impulso deixou sua casa e diante daquela floresta imensa, cheia de possibilidades, simplesmente foi andando, andando.. até que se deu conta de que não sabia aonde iria chegar, e se chegaria em algum lugar, ao passo que também não conhecia o caminho de volta. 
Me vejo lá naquele ponto de transição entre o que era e o que será. E o mais engraçado é que no fundo eu sempre convivi com essa sensação. Como se minha vida toda fosse apenas uma espera. Sempre o por vir e nunca o então. Talvez eu tenha me tornado refém de mim mesma e desse medo que eu tenho de viver o agora sem demora. Pensar só no momento presente e me sentir feliz com isso. Sem planos sem expectativas. Sò viver de verdade e não apenas viver. As vezes eu só queria ser como uma criança. Ter o direito de simplesmente parar e me permitir ser encontrada. 
...

Resolvi reservar um tempinho do meu dia pra vir até aqui, despejar todas essas sensações fantasmas, com o fim de talvez me encontrar, ou entender. Entender, como disse Clarice Lispector, um pouquinho, ou pelo menos entender que não entendo. Ou só esvaziar qualquer carga negativa que me impeça de tentar, mais e mais, quantas vezes for.
Me terapiando. acho que é isso. No divã comigo mesma. Espero que no fim eu me encontre.

quarta-feira, julho 06, 2011

Primeiro e último dia no Divã.


"O que importa afinal, viver ou saber que se está vivendo?"
(Clarice Lispector)


Depois de tanta expectativa para começar minha terapia, descobri após minha primeira sessão que a mesma será a única, pelo menos por enquanto.

Falei tanto, e de tanta coisa, na minha primeira sessão, que nem lembro bem o que foi dito. Lembro mais da sensação de estar lá, e de tudo que eu já pensava em falar nos próximas encontros. Um descarrego, acho que é isso que significa terapia. Jogar de si tudo que está preso, escondido em algum lugar, empatando algumas atitudes inadiáveis. É se desarmar. E o interessante é que na medida em que você expressa em palavras, em voz alta de um modo que você possa ouvi-lás, parece que aquele pensamento sem conexão passa a ter sentido, ou o contrário, aquilo que você achava óbvio deixa de ter razão. São nesses momentos que você encontra aquela resposta para aquela pergunta que você nem ousou formulá-la. E acaba, mesmo sem saber, tomando, naquele instante, a decisão certa.

Após a sessão inaugural, a Dra. Fabiana, psicóloga atuante junto aos advogados assistidos pela CAARN, passou uma tarefa de casa. Eu teria que fazer uma redação, escrita a mão, de modo que eu pudesse fazer várias alterações ao longo da semana, cujo título seria "Quem Sou Eu". Não cheguei a fazê-la, mas pensei em como seria difícil fazer uma definição geral de mim mesma. O que eu achava sobre mim, e o que eu achava que a pessoas achavam sobre mim. Fiz vários rascunhos de cabeça. Rabisquei e apaguei várias vezes na mente, não sabia por onde começar. O que eu sabia de mim era a imprecisão. A dualidade e complexidade, que me fizeram estar lá naquela potrona de frente pra aquele espelho em forma de gente. Não consegui colocar no papel, mas ainda vou tentar, numa próxima postagem.

Não sei se aqueles 45 minutos teve algo a ver com o desenrolar dos acontecimentos que os sucederam, o fato é que naquela mesma semana decidi mudar completamente o rumo da minha vida. Esquecer os motivos e metas que me mantinham ali, naquele momento, e virar na direção contrária. Escolher pelo o que eu mais havia relutado ultimamente. A opção menos atrativa aos meus olhos durante um bom tempo.

Não sei bem o porquê, por qual razão, essa decisão houvera sido tão adiada, e de uma hora pra outra, com tamanha convicção ela se tornara tão precisa, e fácil de certo modo. A sensação de tê-la tomado traduz em um alívio, e ao mesmo tempo, o que mais me surpreende, uma empolgação. Talvez seja mesmo a vontade de viver o novo, de simplesmente mudar. Não sei.

Talvez se eu continuasse na terapia eu tivesse essa resposta, assim como tantas outras que não tenho. Esse foi o motivo que sempre me fez sentir a necessidade de uns poucos minutos por semana de frente com alguém estranho, e capacitado: adquirir respostas pras minhas inquietações. Mas a experiência do Divã me fez entender que o maior segredo pra ser feliz não é só conhecer a si mesmo, é enfrentar os medos e viver. É disso que todos nós precisamos.


quarta-feira, maio 04, 2011

O amor é um só



Entenda que ninguém pode substituir ninguém. Não em se tratando de amor.
Não adianta procurar naquela pessoa aquilo daquela outra. Não vai encontrar. Por mais que aja alguma similitude, por mais que aja algum sentimento. Não é o mesmo, é uma nova emoção, nova realidade.

Também não adianta ter pressa pra se entregar a um novo amor, achando que vai encontrar aquela mesma sensação que sentia com aquele alguém. Nunca, jamais, você irá sentir de novo o que sentiu. Assim como os momentos, as emoções também são únicas. Irrepetíveis.

Por isso não se antecipe. Não atropele a ordem das coisas. Não ache que se entregando de corpo sua alma também fará parte desse pacote de doação. Não. A intimidade pode até ser atingida, mas essa sensação de completude, de intensidade requer um tempo, ou mesmo um encanto num estalar de dedos. Mas um encanto espontâneo, inesperado, que por essa urgência se acomoda de todo nosso ser. O amor, e todos os seus efeitos, não pode ser provocado. Ele nasce de ofício. Nasce quando quer, sem mandar qualquer carta de aviso. E talvez por isso ele não seja reconhecido muitas vezes, prontamente, como deveria. As vezes ele só se faz evidente quando já é tarde demais pra lutar por ele. Mas mesmo quando já não há tempo para vivê-lo, só o fato de ter existido em algum momento o torna eterno. E assim ele subsiste em muitos corações. Em algum espaço qualquer dentro deles. Mas não se engane achando que pode reencarná-lo num outro ser. Ele é imortal, mas só vive uma vez.

Subitamente


Sabe quando subitamente, sem pensar, você age conforme agiria se não fosse várias razões desprovidas de qualquer sentido? Simplesmemte descomplica as coisas, ou as esquece. Faz vista grossa daquela voz que grita dentro de você que está errado, que é loucura ou desacato a si mesmo. E mesmo assim você não ouve, ao contrário, desafia todo e qualquer pensamento que te afasta dessa vontade. Os anula, e se entrega a esse momento de devaneio, ou lucidez. Arrisca. Assume os riscos, ou por mera imprudência os acolhe para si. 

No meio do trânsito, aumenta o volume do som do carro, pega o telefone, busca na agenda algum vestígio desse amor. Encontra somente o número antigo da casa dele. Não pensa. Não procura na mente palavras qualquer de ensaio pra não correr o risco de encontrar aquelas razões que poderiam fazê-la desistir. O telefone chama, e o coração parece que se dá conta da importância desse momento. Do outro lado uma voz tão parecida com aquela mesma que a fez sonhar tantas vezes. Mas não era ele. Era alguém dizendo que ele não estava. Que naquele exato momento ele poderia estar vendo só de ouvir o quanto ele ainda estava presente na vida dela. Mas não, ele não estava em casa. A voz era do seu pai. Tão igual, mesmo timbre, mesmo jeito de falar. Ele queria saber com quem falava, mas a coragem que a fez telefonar não permaneceu nela muito tempo. Subitamente escapou-se. Logo ressurgiram as razões, sensos e grilos. Pensou consigo que não era justo deixar sabê-lo que ela fraquejou no seu acordo de dizer não a esse amor. Ela não disse seu nome. Também não era preciso porque ela sabia que ele saberia com a mesma certeza que houvera sido ela. Desligou o telefone, mas demorou alguns minutos para que seu coração acalmasse. Pensou consigo na ousadia que teve, e ainda cogitou retornar a ligação para perguntar aquele homem, anonimamente, se ele estava bem. Faltou coragem. Ela já tinha tomado toda a sua dose.

Ela não teve a chance de falar com ele, nem de saber nada da sua vida, mas agora segue diferente. Com uma leve sensação de que é possível simplesmente descomplicar. Desatar algumas amarras que nós mesmos laçamos em algum momento ou por alguma razão que com o tempo nem se sabe realmente quais são. Naquele dia ela poderia ter diminuido uma saudade, e ter sido mais feliz.

A verdade é que muitas vezes renunciamos ao presente em nome de um futuro que nem sabemos se vai existir mesmo. Perdemos de viver um momento, que talvez fosse um desses grandes momentos que faz a nossa vida toda valer a pena, tentando evitar frustrações ou sofrimentos que nem sabemos se vão se concretizar. Tolice. Tolice que não muito raro cometemos por puro medo, ou desatenção mesmo. Mecanicamente dizemos não aquilo que nos  parece uma ameaça, como uma dessas manias que temos, sem perceber que dizemos não também as possibilidades que a vida nos apresenta de encontrarmos justamente aquilo que procuramos.

segunda-feira, abril 04, 2011

Meu querido, meu velho, meu amigo

"Seu passado vive presente nas experiências
Contidas nesse coração, consciente da beleza das coisas da vida..."
Meu querido, meu veho, meu amigo
(Roberto carlos)


A vida da gente é feita da participação de pessoas. Pessoas que convivemos, que amamos, que aprendemos a gostar. Ninguém vive uma vida sozinho. E as lembranças que ficarão são de momentos compartilhados, sorrisos espelhados no olhar de alguém. É isso que faz a diferença nesse mundo de Deus. É justamente isso que a nossa memória vai guardar a sete chaves. A imagem, o sabor, a sensação. O cheiro de alguém ou de alguma coisa que em um determinado minuto nos fez sentir mais vontade de viver. Não sei o que dizem os especialistas, mas acredito que uma lembrança, mesmo que desbotada, pode reproduzir uma sensação. Aquela mesma que você sentiu anos atrás, ou até quando era tão pequeno que já nem lembra direito. Porque tudo que vemos, ouvimos, sentimos fica guardado em algum lugarzinho na nossa mente, e de brinde fica também as emoções.

Lembro com carinho do meu avô. Hoje quero falar dele. Das recordações que carrego comigo. Do cheiro forte do leite de rosas que ele usava desmedidamente. Dos seus cabelos brancos, fininhos, bons de passar a mão. Meu avô era um homem grande, não só nos seus 1,90 aproximadamente, mas ele era grande no coração. Era um pai cuidadoso, e isso eu digo sem ter visto a sua labuta em criar seus nove filhos, num lugar onde só tinha o chão pra plantar. Mas isso ele aprendeu, e fazia bem. Foi um agricultor durante a maior parte de sua vida. Conheço várias histórias que minha mãe e tias contam sobre aquele tempo "difícil", sem grandes recursos materias, mas pelo brilho no olhar, acredito, foi uma época feliz. 

Mas tambem não quero falar do que não vivi, quero falar das mãos grandes que o meu avô tinha. Eram enormes, mesmo quando as minhas já não eram tão pequenas. Lembro da mania que ele tinha em mascar seu fumo depois do almoço. De quando trazia na cabeça melancia da feira aos domingos. Lembro do seu abraço trêmulo. Do seu sorriso preto do fumo. Do seu bom humor. Das brincadeiras com a Maria dele, minha avó, sabendo ele que ela não gostava nem um pouco delas. Das suas histórias do passado contadas naquela calçada, em sua cadeira de balanço. Da sua generosidade ao me dar as pratinhas que eu sempre pedia, talvez por mero prazer em receber dele. Lembro de como eu gostava de enchê-lo de beijos só para ver sobressair seu sorriso largo.

Lembro de quando meu avô ficou doente. De quando toda noite íamos comprar coca-cola para aliviar aquela coisa presa que ele sentia dentro dele. Eram suas veias congestionadas, depois decobrimos. Sofria do coração. Foi um momento difícil pra toda a família. Mas com o apoio e união de todos, meu avô superou uma cirurgia complicada, e viveu ainda muitos anos, claro, sob as rédeas curtas da minha avó. Dieta controlada, fumo uma única vez ao dia, já que não tinha como tirar isso dele, e nada de peso, nada de melancia na cabeça ou qualquer outra estripulia. 

Mesmo assim, ontem, dia 04.04, fez sete anos que meu avô partiu, descansou quando já não tinha mais forças. Morreu sem querer morrer. Tinha amor a vida, e a sua familia. Lembro que ele dizia já perto de sua ida que não podia morrer porque tinha a sua Maria e seus filhos e netos. Ele se sentia responsável por todos, tinha ainda muito o que fazer por aqui. Mas ele se foi. E hoje vive na mente e nos corações dessa família que ele tanto quiz proteger. Ele é memória, e é amor.

domingo, março 27, 2011

Um inteiro que se vê metade



Uma mulher que insiste em se ver menina. 
Um inteiro que se vê metade.
Não conhecia o que possuia.
Ela já tinha mais de 25, tinha uma profissão, um diploma.
Tinha um escritório, e um sócio pra dividir as responsabilidades. 
Não tinha patrão nem qualquer pressão não advinda de si mesmo.
Tinha clientes e tantos colegas que confiavam nela. Pessoas que a admiravam.
Tinha determinação pra lutar. Tinha talento. 
Sim, ela era tão capaz, sem saber.
Já pagava suas contas. Tinha seu próprio carro.
Certo que havia por vezes aquele mês, em que não pingava nada em sua conta bancária, mas sempre surgia um jeito. Uma solução, mesmo que essa fosse um pedido de socorro pra mãe ou pro pai.
Mas no fim sempre dava certo. 
Ela tinha uma família maravilhosa. Pais, irmãos, avós, tios, primos, unidos. 
Residia num apartamento de classe média na cidade que sempre sonhou morar.
Tinha piscina, parquinho pra levar seus sobrinhos.
Tinha sobrinhos, fofos, lindos, e não tinha que perder sono com eles, ou perder o juízo. 
Aliás, ela podia perder o sono se assim optasse. Sofrer de insônia. Ela tinha a madrugada toda a sua disposição.
Ela fazia academia. Tinha o peso ideal. Nenhum tipo de complexo. 
Ela podia fazer o que quizesse.
E ela tinha o mundo ao seu alcance. 
Ela tinha o pôr do sol na janela da sala. E a lua da sua cama.
Cama de casal só pra si. Um banheiro só seu. E uma tv pra não adormecer sozinha.
Ela podia num sábado ou domingo acordar cedinho, pegar seu carro, e ir ver o mar.
Caminhar de frente pro infinito.
Ou ver a cidade dormindo com um bom som de plano de fundo.
Ela podia fazer a mala e viajar. Se aventurar.
Ah, ela tinha amigos. Alguns longes, muito longe, outros vizinhos.
Podia a noite sair com alguns deles. Beber um pouco. Conversar. Ouvir uma boa música ou forró mesmo. Dançar. Conquistar.
Ela podia se arrumar toda. Pegar pesado na maquiagem. Usar aquele vestido curtíssimo, e ter os olhares que quizesse voltados pra si.
Ela podia ir ao cinema sozinha assistir a um filme bobo. Se embreagar de chocolate e muita pipoca.
Ela podia tantas coisas... 
Mas ela não tinha noção de meia parte disso.
Do mundo de possibilidades a sua volta. A um passo de si.
De tudo, ela só sabia por exato o que ela não tinha.
O amor.

sábado, março 26, 2011

O medo de não amar

"Este vazio de amor todos os dias: a cabeça pesada ao meio-dia, a boca amarga, um cheiro de sono e solidão nos cabelos..."
(Caio Fernando de Abreu)

Só podia ser uma força negativa muito grande que regia tudo a sua volta, e a impedia de viver aquilo que ela, tão sonhadora, sempre desejou. Era tantos desencontros, ilusões, tantas coincidências ao avesso, que só podia chegar-se a acreditar que uma espécie de mal interferia sempre em sua vida, de modo a nunca, jamais, se concretizar o que tantas vezes esteve a um passo disso. Aquela mulher já na idade, mas menina no seu jeito de acreditar em contos de fadas, parecia estar com o destino marcado. Condenada a não ser feliz. A ser sozinha no mundo. Sua cina era não viver o amor. Essa coisa que ela nem sabia direito o que que era, mas que sonhava todos os dias em se entregar a ele. Ela queria se embreagar nesse sentimento. Ser de alguém ao passo que esse mesmo alguém seria dela. A essa altura, isso parecia tão impossível aos seus olhos. Já não tinha forças pra acreditar que do nada, assim como uma borboleta a pousar em alguém, aconteceria enfim todos os sitomas que se diz sentir. Coração acelerado, suor frio, tremedeira, aperto no peito. Isso tudo duradouramente. Sem validade nem vencimento. Ser amada, cuidada, por um sempre muito longo. 

Ela ouvira algumas vezes falar-se em culto do mal, magia negra, macumbaria. E assim como ela acreditava num Deus que criou o mundo e a humanidade, ela sabia que existia o outro lado da moeda. Sabia, embora nunca desconfiasse das pessoas, como se elas fossem incapazes de fazer o mal, que havia alguns que andavam pelos caminhos errados, insistiam em fazer sofrer muitas vezes quem mais os deram a mão. Era assim: tudo na vida, uma dualidade. O bem e o mal, o certo e o errado. O limpo e o sujo. Assim também era as pessoas. E sinceramente ela começava a desconfiar de que no seu passado alguém poderia ter rogado contra ela alguma espécie de feitiço, maldição ou coisa assim. 

Sempre que pensava nisso, mudava de idéia e achava melhor acreditar que só ainda não era o tempo certo pra viver isso. Pode ser. Pra cada coisa há um espaço no grande relógio da vida. O certo era torcer para o tic-tac tictacar bem acelerado porque não se podia mais esperar. E fora isso, ela, com sua fé desbotada, pedia a Deus, a Ele que é mais poderoso que qualquer força do mal, que ganhasse do dragão e lhe desse a paz. Lhe desse o amor.

sexta-feira, março 25, 2011

O caminho a cada passo


"Pois existe a trajetória, e a trajetória não é apenas um modo de ir. 
A trajetória somos nós mesmos. 
Em matéria de viver, nunca se pode chegar antes."
(Clarice Lispector)


Era uma confusão de sentimentos. Sensações emergidas de uma tempestade de desejos, preceitos, promessas. Uma guerra. Uma luta dentro de si mesma. Ela queria correr, fugir desse entrave, mas pra qualquer lugar que fosse tudo isso permaneceria lá. Fazia parte de si. 

Tantos caminhos... O que eles trazem consigo não se pode ter conhecimento. É preciso escolher. Fazer sua própria trilha. Essa era a sua grande dificuldade. Decidir o que deveria viver. Ela sabia que não tinha muito tempo pra isso. E essa certeza é o que mais a atormentava. Ela tem pressa, mas sempre acaba se deslumbrando com algumas flores no caminho. Se distrai muitas vezes. E muitas vezes pensa que basta só sentir aquele doce perfume, e ver as múltiplas cores das pétalas. Então, esquece de continuar. Se perde de si mesma. Se perde do sonho. Da promessa que fez.
 
Eis a guerra dela com ela mesma. A vontade de agora versus o sonho de amanhã.

Talvez ela nem tivesse que optar. Talvez só tivesse que viver. Tudo, de cada vez. Seu caminho a cada passo.


terça-feira, fevereiro 08, 2011

Entrelaçados

 "Só enquanto eu respirar, vou me lembrar de você.
Só enquanto eu respirar."
(Fernando Anitelli)


Uma comunicação de almas, entrelaçadas. 
Um encontro invisível de duas pessoas que se perderam uma da outra. 
Mais que um mero pensamento, 
Uma certeza de que naquele exato momento ela estava nele, 
Assim como ele se encontrava ali, presente na ausência.
Uma dessas coisas inexplicáveis que por mais que se tente compreender ou expressar até pra si próprio não se consegue. 
Porque não é algo que possa medir; só se sente. 
E só se sabe que é real devido a sensação que restou. 
Uma sensação de ir em direção a quem segue o oposto; 
o de quando os olhos se acham; 
uma sensação de abraço; de toque. 
Telepatia ou previsão
Talvez seja só saudade, 
Ou devaneio.