Uma mulher que insiste em se ver menina.
Um inteiro que se vê metade.
Não conhecia o que possuia.
Ela já tinha mais de 25, tinha uma profissão, um diploma.
Tinha um escritório, e um sócio pra dividir as responsabilidades.
Não tinha patrão nem qualquer pressão não advinda de si mesmo.
Tinha clientes e tantos colegas que confiavam nela. Pessoas que a admiravam.
Tinha determinação pra lutar. Tinha talento.
Sim, ela era tão capaz, sem saber.
Já pagava suas contas. Tinha seu próprio carro.
Certo que havia por vezes aquele mês, em que não pingava nada em sua conta bancária, mas sempre surgia um jeito. Uma solução, mesmo que essa fosse um pedido de socorro pra mãe ou pro pai.
Mas no fim sempre dava certo.
Ela tinha uma família maravilhosa. Pais, irmãos, avós, tios, primos, unidos.
Residia num apartamento de classe média na cidade que sempre sonhou morar.
Tinha piscina, parquinho pra levar seus sobrinhos.
Tinha sobrinhos, fofos, lindos, e não tinha que perder sono com eles, ou perder o juízo.
Aliás, ela podia perder o sono se assim optasse. Sofrer de insônia. Ela tinha a madrugada toda a sua disposição.
Ela fazia academia. Tinha o peso ideal. Nenhum tipo de complexo.
Ela podia fazer o que quizesse.
E ela tinha o mundo ao seu alcance.
Ela tinha o pôr do sol na janela da sala. E a lua da sua cama.
Cama de casal só pra si. Um banheiro só seu. E uma tv pra não adormecer sozinha.
Ela podia num sábado ou domingo acordar cedinho, pegar seu carro, e ir ver o mar.
Caminhar de frente pro infinito.
Ou ver a cidade dormindo com um bom som de plano de fundo.
Ela podia fazer a mala e viajar. Se aventurar.
Ah, ela tinha amigos. Alguns longes, muito longe, outros vizinhos.
Podia a noite sair com alguns deles. Beber um pouco. Conversar. Ouvir uma boa música ou forró mesmo. Dançar. Conquistar.
Ela podia se arrumar toda. Pegar pesado na maquiagem. Usar aquele vestido curtíssimo, e ter os olhares que quizesse voltados pra si.
Ela podia ir ao cinema sozinha assistir a um filme bobo. Se embreagar de chocolate e muita pipoca.
Ela podia tantas coisas...
Mas ela não tinha noção de meia parte disso.
Do mundo de possibilidades a sua volta. A um passo de si.
De tudo, ela só sabia por exato o que ela não tinha.
O amor.